De há algum tempo venho refletindo sobre uma maneira de valorar a vida humana e comecei a preocupar-me com maior afinco na busca de entender o quanto vale a vida da gente a partir de um experimento fortuito que fiz.
Uma noite, observando formigas que transitavam pelo tanque do meu apartamento, senti um forte ímpeto de brincar de Deus. Simplesmente, abri a torneira do tanque e a força do jato d'água carreou-as todas ralo abaixo. Ou seja, tinha-me dado o direito de decidir sobre a vida, ou melhor, sobre a morte daquelas formigas.
Imediatamente aquela "brincadeira" despertou-me para o fato de que ela, a minha brincadeira, guardava uma congruente analogia com as catástrofes naturais - avalanches, dilúvios, enchentes, terremotos, erupção de vulcões - que num só ato dizimam milhares, centenas de milhares de vidas humanas sem a menor chance de se defenderem. E conclui, numa primeira tentativa de avaliar a vida humana que, do ponto de vista da natureza e os referidos fenômenos, valemos tanto quanto as formigas. Aquelas do tanque, se lhes fosse dada a condição de raciocinar, pensariam que foram mortas por uma tromba d'água que eu provocara ao abrir a torneira.
Passado pouco tempo dessa vivência, tive que administrar um confuso sentimento, mescla de alegria por ver corroborada a teoria que desenvolvera e de tristeza pela desgraça que abateu incomensurável número de seres humanos quando ocorreram o tsunami do Oceano Índico, pouco tempo depois o tufão Katrina no Golfo do México e o terremoto da Ilha de Java.
Para mim, tudo isso significa uma grande lição sobre a humildade. São muito importantes e valiosos todos os avanços da ciência e da tecnologia, da medicina, das pesquisas e suas descobertas, do conhecimento humano enfim. Isto nos faz, com certeza, valer muito mais que as formigas, mas não nos autoriza a nos julgarmos superiores à mãe natureza que, se por um lado nos provê dessa perspectiva de superioridade, tira-nos a vida como se por um capricho, uma brincadeira ou uma maldade.
Diante dos episódios de violência desencadeados em São Paulo, ataque do pcc, estado e capital, sou novamente instado por mim mesmo a refletir sobre o valor da vida humana.
Dentre tantos detalhes do noticiário, um chama-me particularmente a atenção: a preocupação de que talvez a força policial, em revide aos ataques, saia matando a torto e a direito, podendo até justiçar inocentes. Pratica-se inclusive uma aritmética macabra: a cada policial morto, dois bandidos idem. Em suma, nesta altura, a vida humana transforma-se em mercadoria de barganha. O valor não é mais o valor individual, mas o valor populacional e, como tal, pura e simplesmente um número.
Esta é uma realidade universal. Entre Palestinos e Israelenses, por exemplo, aplica-se a mesma aritmética. A cada atentado terrorista palestino, corresponde um revide judeu, em geral, de maior intensidade. No Iraque noticia-se, até agora, a morte de cerca de dois mil e quatrocentos militares americanos. Acaso, do ponto de vista do presidente dos Estados Unidos, isto significa mais que um número?
E o que tem a ver essa prosopopéia com a violência desencadeada por organizações criminosas? Tudo, eu diria. O valor da vida humana tem que ser examinado sob duas vertentes: a do individual e a do coletivo.
As autoridades responsáveis pela carceragem nem sempre atentam para este importante detalhe: o valor das vidas humanas que estão sob sua responsabilidade.
O valor efetivo da vida de um presidiário, numa cela, solitário, sob regime disciplinar diferenciado, é zero do ponto de vista social e quase isto do ponto de vista individual. Porém, nesse resto de valor individual pode estar armazenado um enorme potencial de violência, e não é difícil entender. Um preso, nas condições descritas é, antes de tudo, um inconformado e lutará com todas as suas forças e empregará todos os meios de que dispuser violentos ou não, para sair da condição de morto-vivo. Quem já está no fundo do poço não tem como afundar mais. Veste-se de uma coragem infinita e sem seletividade. A vida do semelhante, deste ponto de vista, vale tanto quanto a sua: nada. E se for preciso, mata com a maior frieza na crença de estar realizando seu auto-resgate. Esta pode não ser uma atitude humanitária, mas é, certamente, consentânea com a natureza humana.
Do mesmo modo, quando se amontoa num recinto previsto para alojar xis delinqüentes, duas ou três vezes mais do que uma cela é capaz de comportar, não é diferente de guardar um monte de sacos de feijão num armazém. De novo a vida humana se reduz a um simples número. Aliás, não é por acaso que se usa a expressão "população carcerária".
Lamento que, no limiar do século vinte e um, o panorama que se descortina à minha observação, a menos que eu seja portador de grave miopia mental, mostra uma humanidade sob certos aspectos tangente e sob outros abaixo da animalidade.
Nestor Volpini
Responda às questões:
01 – Qual é o valor da vida do ponto de vista da natureza?
02 – Qual é o valor da vida do ponto de vista social?
03 – Qual é o valor da vida do ponto de vista religioso?
04 – O que fazer para que a vida humana tenha valor?
05 – Qual o valor da vida de um criminoso?
06 – O estado de miséria que vive milhões de pessoas pelo mundo é um sinal do valor da vida? Explique e justifique.
07 - A vida humana pode ser valorada monetariamente?
08 – Investir em educação e melhoria das condições de habitação, emprego, é valorizar a vida humana? Justifique.